Infoxicação, comunicação horizontal, FOMO (Fear of Missing Out), Efeito Dunning-Kruger… você está familiarizado com esses termos? Todos eles permeiam a consolidação de um fenômeno cada vez mais presente no mundo em rede: a desinformação na web.
De acordo com o Reuter Institute Digital News Report, em 2018, o Brasil ocupava a 3ª colocação no ranking global de países que mais consomem e compartilham informações falsas no planeta.
Dois anos depois, em 2020, a organização global de cibersegurança, Kaspersky, em parceria com a empresa de pesquisa CORPA, na América Latina, identificou que o cenário permanecia preocupante, uma vez que os dados apontavam que 62% dos brasileiros não conseguiam reconhecer uma notícia falsa.
Diante desse contexto e de um cenário no qual a geração de dados cresce desordenadamente, a ESR realizou, recentemente, o webinar “Desinformação na Web – Análise de Dados, resultados e desafios”, com a pesquisadora Jussara M. Almeida, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais, para amplificar a discussão sobre o assunto.
Abaixo você confere os principais pontos abordados na palestra e desvenda como a ciência de dados é capaz de atuar como uma aliada na compreensão, interpretação e na solução desse desafio.
O que é a desinformação na web?
Segundo a pesquisadora Jussara M. Almeida, a desinformação na web é um termo genérico que faz referência a vários fenômenos particulares com propriedades específicas de compartilhamento de mensagens ou conteúdos que não condizem com o que é real!
A exemplo disso temos as fake news, os rumores, trotes ou em inglês hoaxes, as revisões falsas e os spams.
Essas modalidades de desinformação precisam ser avaliadas ainda de acordo com outras diferenças centrais, tais quais: serem intencionais ou não intencionais, serem fatos ou opiniões, por exemplo.
Além disso, é preciso compreender que, embora haja escalabilidade com o desenvolvimento das tecnologias, o ato de se compartilhar desinformações não é recente e é respaldado por características inerentes aos seres-humanos.
É o que apresenta a pesquisa “Desinformação na Web – Análise de Dados, resultados e desafios”.
Como ocorre o compartilhamento da desinformação na web?
De acordo com esse estudo, que teve como objeto de pesquisa a análise de dados e comportamental dos usuários que compartilham notícias e informações falsas, existem “efeitos de amplificação” capazes de contribuir com esse “dominó” de desinformação. São eles:
- Comprovado cientificamente, humanos não conseguem diferenciar facilmente uma informação falsa da verdadeira;
- A sobrecarga de informação na rede, cunhada em 1996 como infoxicação, por Alfons Cornella, designa uma realidade na qual qualquer usuário está diante de mais informações do que seu organismo é capaz de processar. A partir disso, é difícil filtrar o que é válido ou não para o consumo, sendo necessário a criação de atalhos psicológico para processar as informações. “Uma riqueza de informação cria uma pobreza de atenção” (Herbert Simon)
Além desses efeitos e levando em conta os estudos de Daniel Kahneman, a pesquisa, tema central do webinar da ESR, entendeu também a operacionalização do cérebro humano como um dos fatores principais para a ocorrência desse fenômeno.
Para o estudioso, o cérebro funciona de forma lenta e rápida. A lenta leva à racionalização ponderada, as decisões mais demoradas, enquanto a rápida leva à heurística e às escolhas mais rápidas.
O grande “x” dessa questão na atualidade é que, diante do cenário virtual em evolução, da geração de dados e informações em abundância, cada vez mais, as pessoas se apoiam no modelo rápido para tomadas de decisão.
Isso tem impacto direto no compartilhamento de desinformação na web, pois leva a processos cognitivos que são erros sistemáticos em julgamento, realizados de forma consistente quando há apoio nesse tipo de modelagem.
Dentre esses erros notam-se alguns vieses e codex de comportamento mais presentes nesse universo de desinformação e compartilhamento da informação falsa:
- VIÉS de CONFIRMAÇÃO – ferramenta utilizada pelo cérebro como forma de buscar uma informação ou interpretá-la com o intuito, quase inconsciente, de confirmação dos seus conceitos já estabelecidos previamente. Leva à permanência numa mesma bolha.
- EFEITO “MANADA” – quanto mais gente acredita em determinada coisa, é mais provável que seu cérebro te indique essa como sendo uma informação verdadeira.
- CASCATA DE DISPONIBILIDADE – processo de auto reforço. A crença coletiva leva à plausibilidade de determinada pauta. Quando se vê uma informação em várias fontes (twitter, blog, mídia, etc), se cria auto reforço e a possibilidade de uma informação mais credível aos olhos do público.
- INFLUÊNCIA CONTINUADA – tendência em acreditar em uma desinformação mesmo depois de se saber que ela é falsa. Aqui, a retratação de uma informação falsa tem menor poder do que a desinformação inicial.
- DATA VOIDS – a ausência de informações sobre algo pode possibilitar que, maliciosamente, informações falsas ganhem espaço na rede.
- BOTS – contas falsas criadas para envio de informação em larga escala.
Dessa maneira, a pesquisa indicou que os vieses cognitivos individuais levam aos vieses sociais, ou, às chamadas câmaras de eco, polarizando e reduzindo a capacidade cerebral de checagem de fatos e, consequentemente, resultando no espalhamento de desinformação
Nessa equação os vieses em algoritmo reforçam os anteriores.
Resultados da pesquisa Desinformação na web
Para associar a ciência de dados a essa análise comportamental, a pesquisa em questão passou pelas observações generalistas acima e se debruçou sobre um objeto de pesquisa específico – grupos de acesso público no WhatsApp.
Dessa forma, não avaliou conversas privadas ou grupos que não tinham link de convite disponibilizado. A partir disso, a metodologia da pesquisa seguiu o percurso abaixo:
- Realizou uma Consulta com urls específicas/padrão dos grupos de WPP + palavras de um dicionário relacionado a temas políticos;
- Fez a seleção de grupos válidos;
- Coletou e anonimizou os dados dos grupos;
- Avaliou imagens, textos e áudios compartilhados durante 2018
A ideia foi observar em qual momento os conteúdos subiram na Internet e em qual momento apareceram no WhatsApp, vice-versa.
A partir disso, foi possível identificar que os usuários muitas vezes pertenciam a grupos disseminadores de desinformação, mas ainda eram menos impactantes do que a reunião de usuários que compartilhavam um mesmo conteúdo. As chamadas COMUNIDADES.
Por meio dessa possibilidade de se comparar o momento de formação da desinformação na web e no WhatsApp, a pesquisa identificou também o aplicativo de mensagens instantâneas como uma das fontes de desinformação, que, posteriormente, a espalha para outras plataformas.
Outros pontos descobertos pela pesquisa foram:
- Há heterogeneidade de condução dessa desinformação de acordo com o seu formato (imagem, áudio ou texto)
- Uma desinformação se espalha mais rápido que outros conteúdos, por exemplo.
- Texto e áudio ficam mais tempo no ar do que uma informação não checada em imagem.
- Para desinformação em áudio há o surgimento de sensações negativas em quem ouve.
- Esse formato se vale da citação de fontes como forma de dar credibilidade, muito embora, as fontes mencionadas sejam quase sempre duvidosas. Há o uso de CTAs para que os usuários façam ações imediatamente após ouvirem o conteúdo. É menos amigável.
- A estrutura de rede onde estão os usuários que mais compartilham desinformação, BACKBONE DA REDE, indicam que agrupamento de usuários que enviam o mesmo conteúdo repetidamente, de forma tão frequente, não agem de maneira aleatória, mas sim, coordenada
Desafios da Desinformação na web
Dentre os principais desafios que esse fenômeno da desinformação na web apresenta estão a sua complexidade, a heterogeneidade, a dinamicidade, o volume de geração de informações e a sofisticação desses conteúdos, o uso de machine learning para tapear a detecção de informação falsa, além do ruído de comunicação ocasionado por ele.
Para a pesquisadora Jussara M. Almeida, responsável pela condução do webinar “Desinformação na Web – Análise de Dados, resultados e desafios”, precisamos entender o fenômeno antes de tentar combatê-lo.
A profissional defende que um caminho para mudarmos esse cenário encontra-se no desenvolvimento de um fact-checking efetivo e escalável, como o visto no First Draft – organização que divulga essa pauta.
Bem como na compreensão de que qualquer solução efetiva para esse problema está além da tecnologia.
A educação e conscientização digital, ou seja, fazer as pessoas entenderem o que é consumir informação online, permitirá que elas saibam distinguir fatos de histórias e que elas criem um bom nível de criticidade, impactando diretamente a cadeia da desinformação na web.
Assista ao webinar completo: Desinformação na Web: Análise de dados de aplicações, Resultados e Desafios!
Confira também os treinamentos da ESR para a utilização das potencialidades da rede de forma mais segura e otimizada, aqui!